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Um dia antes de ser morto por leoa, Vaqueirinho teria aceitado o Evangelho

Um dia antes de ser morto por uma leoa, Vaqueirinho havia aceitado o Evangelho. O falecimento de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, conhecido como Vaqueirinho, no último domingo, depois de entrar na área reservada a uma leoa no Parque Arruda Câmara, em João Pessoa, reacendeu discussões profundas sobre falhas estruturais na rede de apoio social e de saúde mental. O jovem tinha sido batizado apenas um dia antes, no sábado (29), em um momento interpretado por familiares e pessoas próximas como o início de uma nova fase. No entanto, o desfecho inesperado ocorrido poucas horas depois chamou atenção pela combinação de vulnerabilidade, histórico psicológico e ausência de acompanhamento especializado.

O episódio revelou fragilidades antigas ao longo da trajetória de Gerson, marcada por instabilidade social, dificuldades emocionais e repetidas passagens por delegacias. Conforme a polícia, o jovem acumulava 16 registros ligados a dano e pequenos furtos — situações vistas pelas autoridades como possíveis reflexos de transtornos mentais não tratados. Apesar dessa sequência de ocorrências, nenhuma medida concreta de amparo institucional havia sido efetivada nos últimos anos, contribuindo para um cenário contínuo de risco. A repetição de comportamentos considerados problemáticos sem intervenções adequadas reforça a percepção de que houve falhas no processo.

De acordo com a delegada Josenice de Andrade Francisco, responsável por investigações anteriores envolvendo o rapaz, Gerson apresentava sinais claros de transtorno mental, evidenciados em diversas ocasiões. Ela relatou que, na última vez em que o jovem foi levado à Central de Flagrantes, chegou a ser solicitado um novo pedido de internação psiquiátrica. Contudo, essa solicitação não foi analisada, permanecendo sem resposta enquanto o jovem voltava às ruas. Para especialistas, casos assim revelam um descompasso entre protocolos de segurança, atenção em saúde pública e apoio psicológico adequado.

A falta de respostas efetivas se torna ainda mais evidente diante dos relatos de familiares e conhecidos, que mencionam os desafios enfrentados pelo rapaz desde cedo. Gerson teria crescido em um ambiente de limitações econômicas, falta de referências sólidas e acesso restrito a serviços básicos de atenção. Em muitos momentos, pessoas próximas teriam buscado ajuda em órgãos públicos, mas as demandas não encontraram encaminhamento contínuo. Esse contexto ajuda a explicar como situações de risco se tornaram frequentes, culminando no episódio que agora mobiliza autoridades e especialistas.

O Parque Arruda Câmara, local onde o jovem entrou na área da leoa, também passou a ser ponto central do debate. Embora o parque possua protocolos de segurança e monitoramento, o caso levantou questionamentos sobre a facilidade de acesso à área restrita e sobre a percepção dos riscos por parte do público. Frequentadores relataram que a situação causou enorme comoção entre funcionários e visitantes, muitos dos quais acompanharam a movimentação dos socorristas e a tentativa de controlar o ocorrido. A administração do parque afirmou seguir todas as normas aplicáveis, mas informou que revisará procedimentos para reforçar ainda mais a segurança.

Para especialistas em saúde mental, a tragicidade do caso destaca a urgência de políticas públicas mais consistentes, capazes de acompanhar jovens em situação de vulnerabilidade antes que comportamentos arriscados se tornem frequentes. A falta de vagas, os trâmites burocráticos e a dificuldade de encaminhamento em casos psiquiátricos fazem parte de um problema nacional, que não se limita a João Pessoa. Esses especialistas reforçam que o acompanhamento psicológico contínuo, aliado a uma rede de proteção social eficiente, é essencial para evitar desfechos que poderiam ser prevenidos com ações mais ágeis.

À medida que o caso repercute, familiares, representantes da saúde pública, autoridades de segurança e especialistas reforçam a importância de transformar o episódio em um ponto de inflexão. A história de Gerson, marcada por tentativas de buscar ajuda, reincidências e ausência de acolhimento adequado, abre espaço para uma reflexão ampla sobre as responsabilidades do Estado e da sociedade. Embora o desfecho já esteja consumado, o debate gerado por sua trajetória pode contribuir para a construção de caminhos mais seguros, humanos e eficientes para outros jovens que enfrentam situações semelhantes no país.